COMO PSICÓLOGA E MÃE, SOU CONTRA O TAPA NA BUNDA.
Valéria Giglio Ferreira - Psicóloga
Não que não tenha vontade de dar uns de vez em quando, ou, que isso nunca tenha ocorrido...nem uma única vez sequer, mas...me controlo ao máximo.
E o dito "tapa na bunda" está longe de ser inócuo.
Primeiro - Porque ensina a agressão física como forma de solucionar problemas e conflitos, pois, se o tapa for muito leve fica parecido com carinho e confundirá a criança e se for um pouquinho mais forte, irá intimidá-la, o que caracteriza uso de agressão física para corrigir e educar - sou contra.
Valéria Giglio Ferreira - Psicóloga
Não que não tenha vontade de dar uns de vez em quando, ou, que isso nunca tenha ocorrido...nem uma única vez sequer, mas...me controlo ao máximo.
E o dito "tapa na bunda" está longe de ser inócuo.
Primeiro - Porque ensina a agressão física como forma de solucionar problemas e conflitos, pois, se o tapa for muito leve fica parecido com carinho e confundirá a criança e se for um pouquinho mais forte, irá intimidá-la, o que caracteriza uso de agressão física para corrigir e educar - sou contra.
Segundo - Porque quando chega o suposto ponto de se dar o tapa na bunda, talvez, esses mesmos pais e mães já tenham - ainda que sem ter consciência e até sem querer - falhado muito em aplicar os outros procedimentos educativos que a causa pediria.
Precisamos ter uma visão de conjunto, uma visão sistêmica da situação: se chegou a esse ponto, pode ser que a relação pais-criança já esteja bem disfuncional, e não é batendo - um tapinha que seja - que a solução real e profunda surgirá; ao contrário, um tapinha aqui e outro ali pode servir para camuflar omissões e dinâmicas inconscientes do sistema familiar.
Terceiro - Considerando que o uso das palmadas pode estar encobrindo outras falhas no sistema doméstico, como por exemplo: falta de disponibilidade dos pais para si mesmos enquanto marido e mulher, ou, falta de tempo deles para com seus os filhos/as, considero ainda, que bater seja um dos caminhos mais curtos e fáceis para que eles consigam manter a obediência e a disciplina doméstica sem muito esforço, sem mexer em questões que talvez prefiram manter encobertas.
Mais fácil por exemplo do que a, às vezes, árdua e perseverante tarefa de falar, ensinar, insistir ou encontrar outras formas de punição ou negociação. Ou mais fácil do que lidar com os sentimentos ambíguos e contraditórios que a parentalidade costuma suscitar.
Nos tapas na bunda, puxões de orelha, beliscões no braço, etc, adultos podem estar escoando raivas, frustrações e agressões não-ditas e não elaboradas do sistema familiar.
Sentimento negativos que não encontram outro caminho, que não podem ser devolvidos à fonte, podem estar sendo deslocados de relações entre adultos para a criança, que então, em resposta a esta situação: faz birra, teima, contraria seus pais e educadores ficando depositária e denunciante de problemas que não são seus.
A questão é complexa e não deve ser tratada de modo simplista.
Lembrando ainda, que hoje em dia, nem mesmo a legislação brasileira permite que se bata nas crianças.
Assim, penso também - fazendo eco a inúmeros psicólogos/as - que tem havido uma crescente tendência à medicalização da infância e justamente aí me pergunto se será que a sociedade estaria trocando as palmadas pelos remédios. A criança é normal, pula, ri, fala, corre como qualquer infante faria e logo em seguida já é taxada, rotulada de hiperativa.
Então, a pergunta que não quer calar fica sendo: " - será possível pensar que alguns pais e mães, aliados a maus profissionais - estes por sua vez aliados às indústrias de medicamentos psicotrópicos - poderiam estar medicalizando a infância para o próprio sossego dos pais e venda indiscriminada de remédios?
Se assim for, se esta troca em algum momento estiver sendo feita, o preço para estes pais, bem como para todos os envolvidos, com toda certeza não será barato.
Bem, então, dizíamos que tanto as palmadas quanto a crescente suposta medicalização da infância se configuram como duas maneiras disfuncionais de "dar um basta" nas crianças e proporcionar tranquilidade aos pais delas...Entretanto, duas soluções ruins...Aliás, não sei qual é a pior!!!
E não sei qual é a pior porque como não resolvem a questão na sua base, estas "soluções disfuncionais" criam complicações adicionais fazendo assim, girar o círculo da perpetuação do problema original.
E, vejam, adultos também teimam conosco e não sairmos por aí dando palmadas neles!
- Por quê???
Porque teríamos que nos haver com a resposta de igual para igual que eles nos dariam, mas, com a criança temos uma relação hierárquica a qual ela não tem como revidar à mesma altura.
À criança resta aceitar, se submeter ao tapa na bunda e ir buscar uma forma de se adaptar à situação.
Acredito que agressão aos menores seja algo meio covarde e tenho ouvido inúmeros relatos de pais e mães que não se sentem nada bem ao baterem ou depois de baterem em seus filhos\as..
Quarto - Também sou contra o tapa na bunda porque ao agirem assim, pais e mães podem ficar "viciados em bater" e a criança "viciada em apanhar", podendo esta, levar este modus vivendi e modus operandi para a sua vida adulta; como por exemplo na apreciação do sadismo ou do masoquismo. Apanhar se torna algo familiar, então, em suas relações adultas a criança que apanhava reproduzirá este cenário sendo um dos dois personagens: o que bate ou o que apanha. E neste caso, teríamos a reprodução do sofrimento interpessoal, pela reprodução da mesma solução disfuncional de conflitos.
Quinto - Porque sabemos que muitas crianças são tão carentes de
atenção, de afeto e até de carinho dos pais que acabam aprontando muito
"para apanhar", pois, para elas é o único momento em
que sentem o calor das mãos de seu pai ou de sua mãe, e deste modo,
apanhar passa a ser uma forma de ter contato físico com os pais, o que
para muitas ainda é melhor do que não se sentirem vistas e não terem
contato algum com aqueles/a que elas mais amam.
Se, como pais ou mães, pararmos para observar quando é que temos vontade de dar as palmadas, talvez possamos observar que, em geral, esses são momentos em que também já estávamos no limite com outras coisas, outros assuntos e outras pessoas.
Se, como pais ou mães, pararmos para observar quando é que temos vontade de dar as palmadas, talvez possamos observar que, em geral, esses são momentos em que também já estávamos no limite com outras coisas, outros assuntos e outras pessoas.
Assim, conclui-se que educar dá trabalho e sem palmadas então...o trabalho é dobrado!
Até mesmo porque exige de cada um de nós - pais, mães, professores e educadores - que, incontáveis vezes, nos auto eduquemos e nos reeduquemos para só depois educar, não reproduzindo as distorções e deformações a que eventualmente fomos submetidos.
Educar dá trabalho porque movimenta em nós a "Criança Interior" que fomos e o modo como fomos educados, amados, cuidados, repreendidos, reprimidos, abandonados, incentivados, criticados, elogiados, amparados ou desamparados, etc.
Lidar com isto tudo exige tempo, prontidão para a tarefa educativa, amadurecimento, tomadas de consciência, paciência e dedicação ao delicado processo interno e externo que insurge.
Dar o tapa na bunda encurta este trabalho essencial, e por outro lado, empobrece em muito o processo educativo.
Só pode educar bem quem já se educou, ou se reeducou.
Mas, como diz Içami Tiba, "Quem ama, educa"!
- E tem que amar muito para educar!!!
Este texto pode ser reproduzido desde que se faça referência à autora e à fonte.
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Ferreira, Valéria Giglio - Blog AMAR - ESCOLA DE CASAL E FAMÍLIA
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