Penso que somos uma geração de mulheres que, quando meninas, assistiram demasiadamente ao seriado da super-heroína "Mulher Maravilha" e que isto nos influenciou de maneira substanciosa e deletéria criando um modelo de mulher inatingível para as simples e terrenas humanas.
Lembro-me de que ela era um ícone de beleza e perfeição: pele clara bem tratada, olhos lindos, cinturinha fina, boca bem desenhada, quadril de violão. Boa profissional, inteligente, sensível, sempre impecavelmente vestida, rápida nas respostas e com uma prontidão incrível para solucionar com justiça e graça problemas nas mais diversas áreas da vida.
Creio que este modelo de "mulher perfeita" seja, atualmente, aquilo que a maioria de nós busca ser.
Até o dia em que, sobrecarregadas de frustrações e cansaço - quando não, enfrentando sintomas de todos os tipos: físicos e psicológicos - nos vemos obrigadas a rever a viabilidade deste projeto desumano.
É estonteante o número de pessoas do sexo feminino que caem nessa armadilha invisível que chamamos de "Síndrome de Mulher Maravilha".
Ao ter seu pezinho preso nesta rede de metas e expectativas impossíveis, a mulher vai se esquecendo que na vida real efeitos especiais não ocorrem e que atingir uma performance como a da personagem exigiria de nós os poderes extra e sobre humanos que Diane Prince - a "Super Mulher" - tem e que nós não temos.
Então, a cilada que nos pega é: não temos os super-poderes que ela tem - força física sobre-humana, braceletes anti-rajadas, tiara de proteção, laço mágico indestrutível, etc - e temos tarefas domésticas, conjugais e familiares que ela não tem.
A conta não fica justa. É uma equação inviável.
No teste de realidade da aplicação do modelo-de-mulher-maravilha-para-mulheres-humanas fica uma diferença que jamais seremos capazes de cobrir. Uma diferença perigosa que vai sugando-nos as energias, tirando nossa força vital e expondo a saúde e até a vida de quem se mete a tornar real este modelo.
Lembrando-nos ainda, que trata-se de um modelo e de uma síndrome que nasce do fascínio norte-americano por tudo o que é artificial e tolinho e da vulnerabilidade mundial em copiá-los nestes valores doentios.
Resta- nos entender por que demos gancho, por que entramos neste caminho?
Será que foi porque em algum momento achamos que só poderíamos ser amadas se fossemos SUPER: super-mães, super-esposas, super-profissionais, super-poderosas, super-atraentes, etc?
Será que foi para darmos encaixe e estarmos a altura dos - também ilusórios - Super-Homens?
Para criarmos o Super-Casal com suas Super-Crianças? Educando seus Super Filhos/as? - A nova geração de Supers?
Talvez, ambos - homens e mulheres - tenhamos caido na mesma armadilha que nos dizia que sermos simplesmente humanos não nos bastava.
Brincamos de ser Deus e a vida tem nos mostrado quem é quem. Que só Deus é Deus e só Ele tudo pode. Que super-heróis não existem.
Creio que movidos por ideologias de massa, ideologias consumistas que o tempo todo apregoam que o prazer está na novidade, no fantástico, tenhamos chegado a acreditar que só poderíamos ser amados/as, admirados/as, não abandonados/as e não rejeitados/as se fossemos muito além daquilo que com equilíbrio conseguimos ser.
Que, do contrário, não seríamos bons/boas o bastante para obtermos o prêmio do bem-querer.
Esta é a armadilha: queremos ser amados/as e fizeram-nos acreditar que isto só nos seria dado se fossemos "super" em alguma coisa e de preferência em tudo.
Deste modo, penso que tentamos criar coletivamente um Super-Eu artificial, os Super-indivíduos, um duplo, um Outro-Eu que nos viabilizasse alguma suposta garantia de amor, aquietando nosso coração e dando-nos esperança de acolhimento, respeito e felicidade.
Este Super-Eu não pode ter tristezas nem fragilidades.
Dai, a enorme quantidade de anti-depressivos e ansiolíticos ingeridos por aqueles/as que não conseguem por si mesmos alcançar estas desnaturadas metas; e a enorme quantidade de todas as outras drogas utilizadas, atualmente, para dar sustentação a este falso-Eu, a este Super-Eu artificial.
Embora tenha custado a vida de muita gente, o lado bom desta fase maníaca coletiva é que pouco-a-pouco fomos testando nossos limites. Tomando consciência que não existem heróis vivos.
Sair desta destrutiva ciranda, movida pela baixa consciência do próprio valor, requer arriscar as relações e vínculos baseados em Super-expectativas.
Requer coragem e o consciencioso trabalho de reconstrução da auto-confiança e da confiança no fluxo da vida, que em algum momento foram feridos e danificados.
Assim sendo, creio que cabe-nos tão somente a humilde renúncia às nossas ilusões como Super-Seres e uma volta à nossa condição terrena de humanos/as, com dificuldades e potencialidades.
Jamais, super-heróis ou super- heroínas, seja lá do que for: do lar, da família da profissão ou da sociedade.
Lembrando-nos de que "humildade" é um preceito bíblico e que a palavra vem do latim humus, de onde também derivam humilde, humanidade, homem (Homo sapiens) e que faz referência à eterna ligação e submissão do ser humano à terra, à natureza e suas regras inexoráveis.
Levando-nos isto à conclusão de que somente o retorno humilde ao que é terreno, possível e equilibrado nos permitirá o reencontro com o que é curativo, fértil, criativo. Assim como, com a própria força da vida e a alegria de viver.
Esta renúncia é também um ato de fé.
© amar@gmail.com
Todos os Direitos Reservados*.
Lei nº 9.610/98 - Lei de Direitos Autorais
Lembro-me de que ela era um ícone de beleza e perfeição: pele clara bem tratada, olhos lindos, cinturinha fina, boca bem desenhada, quadril de violão. Boa profissional, inteligente, sensível, sempre impecavelmente vestida, rápida nas respostas e com uma prontidão incrível para solucionar com justiça e graça problemas nas mais diversas áreas da vida.
Creio que este modelo de "mulher perfeita" seja, atualmente, aquilo que a maioria de nós busca ser.
Até o dia em que, sobrecarregadas de frustrações e cansaço - quando não, enfrentando sintomas de todos os tipos: físicos e psicológicos - nos vemos obrigadas a rever a viabilidade deste projeto desumano.
É estonteante o número de pessoas do sexo feminino que caem nessa armadilha invisível que chamamos de "Síndrome de Mulher Maravilha".
Ao ter seu pezinho preso nesta rede de metas e expectativas impossíveis, a mulher vai se esquecendo que na vida real efeitos especiais não ocorrem e que atingir uma performance como a da personagem exigiria de nós os poderes extra e sobre humanos que Diane Prince - a "Super Mulher" - tem e que nós não temos.
Então, a cilada que nos pega é: não temos os super-poderes que ela tem - força física sobre-humana, braceletes anti-rajadas, tiara de proteção, laço mágico indestrutível, etc - e temos tarefas domésticas, conjugais e familiares que ela não tem.
A conta não fica justa. É uma equação inviável.
No teste de realidade da aplicação do modelo-de-mulher-maravilha-para-mulheres-humanas fica uma diferença que jamais seremos capazes de cobrir. Uma diferença perigosa que vai sugando-nos as energias, tirando nossa força vital e expondo a saúde e até a vida de quem se mete a tornar real este modelo.
Lembrando-nos ainda, que trata-se de um modelo e de uma síndrome que nasce do fascínio norte-americano por tudo o que é artificial e tolinho e da vulnerabilidade mundial em copiá-los nestes valores doentios.
Resta- nos entender por que demos gancho, por que entramos neste caminho?
Será que foi porque em algum momento achamos que só poderíamos ser amadas se fossemos SUPER: super-mães, super-esposas, super-profissionais, super-poderosas, super-atraentes, etc?
Será que foi para darmos encaixe e estarmos a altura dos - também ilusórios - Super-Homens?
Para criarmos o Super-Casal com suas Super-Crianças? Educando seus Super Filhos/as? - A nova geração de Supers?
Talvez, ambos - homens e mulheres - tenhamos caido na mesma armadilha que nos dizia que sermos simplesmente humanos não nos bastava.
Brincamos de ser Deus e a vida tem nos mostrado quem é quem. Que só Deus é Deus e só Ele tudo pode. Que super-heróis não existem.
Creio que movidos por ideologias de massa, ideologias consumistas que o tempo todo apregoam que o prazer está na novidade, no fantástico, tenhamos chegado a acreditar que só poderíamos ser amados/as, admirados/as, não abandonados/as e não rejeitados/as se fossemos muito além daquilo que com equilíbrio conseguimos ser.
Que, do contrário, não seríamos bons/boas o bastante para obtermos o prêmio do bem-querer.
Esta é a armadilha: queremos ser amados/as e fizeram-nos acreditar que isto só nos seria dado se fossemos "super" em alguma coisa e de preferência em tudo.
Deste modo, penso que tentamos criar coletivamente um Super-Eu artificial, os Super-indivíduos, um duplo, um Outro-Eu que nos viabilizasse alguma suposta garantia de amor, aquietando nosso coração e dando-nos esperança de acolhimento, respeito e felicidade.
Este Super-Eu não pode ter tristezas nem fragilidades.
Dai, a enorme quantidade de anti-depressivos e ansiolíticos ingeridos por aqueles/as que não conseguem por si mesmos alcançar estas desnaturadas metas; e a enorme quantidade de todas as outras drogas utilizadas, atualmente, para dar sustentação a este falso-Eu, a este Super-Eu artificial.
Embora tenha custado a vida de muita gente, o lado bom desta fase maníaca coletiva é que pouco-a-pouco fomos testando nossos limites. Tomando consciência que não existem heróis vivos.
Sair desta destrutiva ciranda, movida pela baixa consciência do próprio valor, requer arriscar as relações e vínculos baseados em Super-expectativas.
Requer coragem e o consciencioso trabalho de reconstrução da auto-confiança e da confiança no fluxo da vida, que em algum momento foram feridos e danificados.
Assim sendo, creio que cabe-nos tão somente a humilde renúncia às nossas ilusões como Super-Seres e uma volta à nossa condição terrena de humanos/as, com dificuldades e potencialidades.
Jamais, super-heróis ou super- heroínas, seja lá do que for: do lar, da família da profissão ou da sociedade.
Lembrando-nos de que "humildade" é um preceito bíblico e que a palavra vem do latim humus, de onde também derivam humilde, humanidade, homem (Homo sapiens) e que faz referência à eterna ligação e submissão do ser humano à terra, à natureza e suas regras inexoráveis.
Levando-nos isto à conclusão de que somente o retorno humilde ao que é terreno, possível e equilibrado nos permitirá o reencontro com o que é curativo, fértil, criativo. Assim como, com a própria força da vida e a alegria de viver.
Esta renúncia é também um ato de fé.
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Modo de citação sugerido:
Ferreira, Valéria Giglio - Blog AMAR- EDUCAÇÃO CONJUGAL E FAMILIAR