Por Valéria Giglio Ferreira - Psicóloga
Esta é uma questão interessante...e importante.
A grande maioria das religiões e filosofias abordam este tema.
Observo que o que se diz sobre o perdão, em geral, vem assim:
"- É preciso perdoar!".
"- O perdão é curativo!".
"- Perdoar é divino!".
Mas, a reação da maioria das pessoas a essas falas costuma ser de conflito diante disto, pois, querem perdoar e não conseguem fazê-lo!
Então, além da raiva e do ressentimento que motivaram o conflito, têm agora uma outra dificuldade que é a de não conseguirem perdoar o/a opositor...e isto, num efeito dominó, aumenta a área dolorida do litígio.
Além do conflito humano, muitos passam a ter um conflito com Deus, sentindo-se maus por "não perdoarem o inimigo".
Em meu entendimento, observo que perdoar não é uma simples mágica interna que se faz e que no instante seguinte sobrevém o sentimento balsâmico do perdão, da libertação.
Perdoar é um processo.
Considerando-se a premissa de que a vida é econômica e não dá experiências desnecessárias, penso que perdoar implica em entender a que veio a experiência com aquela pessoa e de que maneira a vida usou aquela pessoa como mestre para nos ensinar algo imprescindível ao nosso crescimento, à nossa evolução.
Lembro-me do ditado que diz que "muitas vezes, as pessoas que mais nos azucrinam, são nossos melhores mestres".
Inúmeras vezes, sentimos que a intenção da pessoa foi boa; porém, em outras, sentimos que houve má intenção, ruindade, maldade e o objetivo de ferir e de trapacear.
Vale citar, a título de facilitar a digestão de certas injustiças e agressões, que "cada ser é limitado pelo seu nível de consciência" e que "o plantio é livre, mas, a colheita é certa".
De todo modo, se nos lembrarmos que "tudo concorre para o bem daqueles que amam Deus", poderemos perceber que independentemente da intenção da pessoa, o resultado é que podemos crescer com ela.
Porém, para percebermos que podemos crescer com o que nos fizeram, precisamos nos dar a chance de reconstruirmos o significado dos acontecimentos.
Citando Sartre: " não importa o que fizeram conosco, mas o que fazemos com o que fizeram conosco".
E, se nos colocarmos atentos, percebemos que com o ocorrido, ainda que duramente, crescemos em algo fundamental para nós.
Assim, acredito que o processo de perdoar implica em assimilar a experiência passada, obtendo dela o entendimento do sentido de vida e crescimento pessoal nela contidos.
Somente quando entendemos onde crescemos com aquela pessoa e com aquela vivência, conseguimos perdoar.
É como o processo de digestão alimentar:
- Engolimos a situação dada pela vida.
- Digerimos o alimento que ela nos fornece.
- Com maior ou menor dificuldade, assimilamos seus nutrientes.
- Excretamos o que dele não nos serve mais.
- Se o alimento é bom, imediatamente nos torna mais robustos.
Se é tóxico para nós, precisamos reagir e nos instrumentalizar para não perecermos.
Se o superamos, tornamo-nos mais fortes e vigorosos a partir dali.
Algumas vezes, aquilo que não destrói, cria anticorpos, fortalece.
Eu chamo a este conjunto de passos "O Processo de Perdão", concluindo que o mesmo tem várias etapas:
1) Aceitar a experiência dada pela vida.
2) Aceitar a alegria e a dor nela contidas; ou seja, aceitar a experiência inteira.
3) Aceitar e canalizar construtivamente a raiva, a frustração e a tristeza pelo que desagradou e/ou machucou, na situação referida.
4) Buscar o que e onde, no contexto específico de nosso desenvolvimento como indivíduos, aquela experiência gerou crescimento.
Buscar entender o que exatamente foi aprendido.
5) Aceitar que aquela experiência foi/é útil e necessária, apesar da dor e do desconforto.
6) Perceber que nenhuma outra pessoa ou contexto teriam a força de gerar este crescimento específico.
7) Acolher a pessoa que nos magoou, que abusou de nós, nos agrediu, frustrou, decepcionou, etc como um personagem fundamental de nossa história e de nossa evolução.
8) Agradecer-lhe pelo que de bom ele/ela nos proporcionou em termos de crescimento, pois, sempre existe um crescimento, seja com as experiências tristes e sofridas, seja nas prazerosas e alegres.
No limite, vale entendermos que existem pessoas más, "escravas da maldade", dominadas pela inveja e pelas rivalidades e que não podemos negligenciar este perigo, que precisamos saber nos proteger delas.
9) Perdoar.
10) Libertar-se.
Desapegar-se do ocorrido, soltando o que não faz mais sentido e permitindo que se vá, abrindo espaço para a renovação de seu próprio ser.
Assim, creio que só conseguimos perdoar quando assimilamos o que de bom a pessoa nos trouxe, numa atitude de consciente e, às vezes, resignado agradecimento.
Enquanto estivermos presos ao que foi ruim, numa cegueira obstinada e irada, sentindo-nos vítimas alheias aos acontecimentos, o portão do perdão tende a permanecer trancado.
Mas, quando transcendemos a dor e buscamos entender a que veio aquela vivência, em que aquela oportunidade dada pela vida nos toca, isto confere crédito e sentido à experiência vivida, e então, abre-se a porta do perdão.
Creio que somente a partir do entendimento do que ficou de bom, daquilo que foi agregado para nós é que conseguimos perdoar nossos opositores/as, dando à experiência com eles/elas uma conotação positiva.
Creio que somente a partir deste entendimento é que nos tornamos capazes de transformar nossos algozes em mestres. Mestres enviados pela vida para fomentar o nosso bem e gerar novas tomadas de consciência, tornando-nos pessoas melhores, mais cheias de luz.
Assim, creio que para perdoar é preciso, primeiro, acolher a experiência com nossos/as inimigos/as e encontrar a luz que ela nos traz.
Penso que todos/as são nossos mestres, mas, parece que as pessoas que nos são mais difíceis são justamente aquelas com quem aprendemos algo de essencial ao nosso crescimento, à nossa evolução.
Se observarmos, vamos ver que essas pessoas tem características muito peculiares e que somente com uma pessoa assim poderíamos aprender a lidar com aquele aspecto da vida. A vida usa essas pessoas para nos ajudar a crescer.
Vamos lidando com a situação e quando nos tornamos hábeis, entendemos o motivo de tal relacionamento - a que veio, com que propósito a vida colocou aquela pessoa em nosso caminho - e a partir daí nos libertamos da situação e já libertos conseguimos perdoar.
Crescemos e isto é tudo, porque ressignifica a presença da pessoa em nossa história, que então, seguirá de uma nova maneira.
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Ferreira, Valéria Giglio - Blog AMAR- EDUCAÇÃO CONJUGAL E FAMILIAR
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Valéria Giglio Ferreira
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