A partir dos anos sessenta, em reação à rigidez e ao autoritarismo do patriarcado, houve uma renúncia ao poder parental, tanto por parte de muitos pais quanto por parte de muitas mães.
Renúncia esta que, por sinal, foi muito conveniente a toda uma geração de pais e mães obstinados pelo sucesso, pelo seu prazer pessoal e resistentes em renunciar a isso em favor dos filhos\as.
Racionalizações não faltaram para justificar, legitimamente ou não, a situação. E não me coloco totalmente fora disso. As pressões sociais contemporâneas são muito fortes nesse sentido. Remar contra essa correnteza implica em estar num constante estado de alerta quanto a isso porque a tendência geral é essa.
Considerando que "os filhos e filhas sempre preferem e precisam mais de pai e mãe presentes do que os presentes de pai e mãe", não vale o argumento de abandoná-los ou fazer dos filhos e filhas seus ficantes (só se encontram quando dá) para ganhar dim-dim e comprar tudo o que quiserem.
Filhos não precisam de tudo, precisam de um pai e uma mãe que os ame e eduque!!!
Mas, claro, entre tantas histórias de abandono parental e maternal, existem muitas e muitas exceções!
E, assim como tantos pais e mães, também tenho tentado fazer diferente apesar das imensas demandas do dia a dia. Às vezes consigo, às vezes, não. Mas, vamos insistindo na mudança até que ela faça possível!
Porém, muitos pais e mães com a "desculpa" de que é preciso dar liberdade aos filhos\as - até sem terem muita consciência disso - se desobrigaram de fazer as tais renúncias pessoais e de assumir o trabalhão que dá educar.
Uma dessas tentativas foi a de serem mais amigos dos seus filhos\as do que pai e mãe dos mesmos.
O que ocorreu nesse caso foi que as funções de pai e mãe ficaram desocupadas e essa falta já mostra sua nocividade: muitos filhos e filhas perdidos, sem saberem qual é o limite de seu comportamento e também expostos a vários perigos. Deus os\as proteja!
Evidente que serem mais amigos de seus filhotes do que pai e mãe não daria certo...
E não deu...Nunca daria porque ser pai ou ser mãe é muito diferente de ser amigo\a dos filhos e filhas.
Amigos não têm compromissos educativos um com o outro, enquanto que pai e mãe têm para com sua prole porque precisam preparar cada um deles\as para lidar com a vida e seus desafios.
Essa tentativa de serem amigos dos filhos\as aumentou significativamente o número de filhos\as abandonados dentro de sua própria casa - o chamado “abandono doméstico” - e a frequência dos casos de “inversão hierárquica” que ocorre quando, ao sentirem o despreparo, a irresponsabilidade e a infantilidade de pai e mãe, os filhotes assumem os papéis parentais e as tarefas de eles próprios cuidarem de si, de pai e mãe e\ou de irmãos mais novos.
A Psicologia vem mostrando que a “inversão hierárquica” é disruptiva e deflagra uma forma sombria de enlouquecimento familiar.
Sim, a desordem familiar (que é quando um ou mais membros da família ocupam o lugar um do outro) coloca o enlouquecimento do sistema familiar em plena ação.
De todo modo, na situação atual parece que os filhos\as tomaram o poder, que as crianças estão no comando e a sociedade já vê o resultado disso: a fantasia do tudo pode correndo soltinha!!!
O EGO (equilíbrio, bom senso, contato com a realidade) cresceu frágil, o SUPEREGO (controle ético e moral) foi exilado e o ID (instância do prazer e da agressividade) tomou de assalto o poder psíquico dos indivíduos e norteia os comportamentos de grande parte da sociedade.
A ética e a moral foram para a sombra social, como se diria, numa leitura junguiana.
Vemos, atualmente, uma geração de adultos que - como caberia a uma criança - fantasiam e acham que sua fantasia corresponde à realidade.
Bem do jeito que crianças gostam: fazer tudo que têm vontade imaginando que nada venha a ter consequências desagradáveis.
Uma sociedade tomada pelo ID...!
Então, eis que temos uma uma geração de "crianças interiores" sumariamente abandonadas e agora, na fase adulta, elas se revelam na forma de indivíduos infantis, autorreferentes, sem parâmetros de bom senso, sem noção, mal criados e mal educados.
Os palavrões que o digam!!! Nunca foram tão falados por homens e mulheres de todas as idades!!!
Assim, observa-se que onde o amor maduro (equilibrado) se faz ausente - ainda que totalmente sem consciência por parte dos responsáveis - surgem as ansiedades galopantes, as compulsões e as drogas (lícitas e ilícitas) para oferecer colo e acalmar aqueles que não receberam contorno, aconchego, limites, atenção e cuidados maternos ou paternos em doses adequadas.
Muitos destes, desnorteados, não sabem lidar com esse desajuste familiar de maneira mais saudável e andam por aí buscando alguém que lhes faça o favor de mostrar onde é que ficam os limites. É triste quando esse alguém é, no extremo, um agente da lei.
O fato é que onde pai e mãe não se mostram presentes ou estão distantes, as drogas e os\as abusadores se apresentam rapidamente.
E a dificuldade ao educar é, frequentemente, saber qual é a medida certa das coisas: seja do amor, seja da colocação de limites. Isso costuma ser o mais difícil para pai e mãe. E é nisto que os problemas se manifestam: no excesso ou na falta de "paternagem" e "maternagem".
A verdade é que quando adultos se comportam como crianças, as verdadeiras crianças é que sofrem...
Entretanto, esses são processos inconscientes!
Hoje em dia, não consideramos mais o conceito de "famílias perfeitas, prontas e acabadas" porque sabemos que todas as famílias - sem exceção - têm desafios e todas estão sujeitas ao processo evolutivo. Não se faz julgamento das famílias, mas, apontamentos das disfuncionalidades em potencial e dos possíveis norteamentos preventivos ou interventivos.
Se já não julgamos nem aceitamos julgamentos, o que vale é o desejo de acertar. E vale muito considerando os resultados de toda essa jornada educativa - o sabor dos frutos que cada árvore irá produzir...
Observo que pai e mãe bem intencionados, mesmo que errem, vão indo até encontrar o Caminho da Felicidade. E encontram...!
Isso vale para todos\as nós: ninguém está livre de errar, mas, querer e insistir em acertar faz toda a diferença para quem quer ser feliz...!
Ninguém tem culpa...Ninguém atua errado exatamente por mal. O que falta é o despertar, a tomada de consciência!!!
Nem mesmo um pai ou uma mãe abandônicos o fazem por mal...O fazem simplesmente por não saberem fazer diferente.
São, frequentemente, repetições inconscientes de padrões disfuncionais que vem vindo desde muitas gerações atrás. É necessário parar de repetir disfunções e isso se dá pela busca do Caminho do Meio, da solução de equilíbrio.
E, no fundo de sua alma o que todo pai e toda mãe mais quer é a felicidade e o desenvolvimento perfeito de seus filhos e filhas...
E se cada pai e cada mãe soubesse e pudesse fazer o “certo”, certamente, o faria...
Mas, existem responsabilidades...Sempre
E sempre nos havemos com as consequências de nossas faltas e de nossos atos...Mesmo que sejam inconscientes. A vida rapidamente desmancha ilusões e mostra a cada um a realidade de suas consequências ruins ou boas.
O aceite de “relações tóxicas” na forma de vínculos com pessoas maléficas e com drogas lícitas ou ilícitas é uma outra consequência do desamparo por parte de pai e mãe: “melhor ter uma relação tóxica do que não ter nada” é o que sentem e pensam muito dos desamparados\as...
Para prejuízo de todo processo educativo, desordem no sistema familiar e enlouquecimento da sociedade.
Pois, de certa forma, tudo ou quase tudo passa a ser aceitável quando se está desamparado demais: "melhor isso do que nada...”, cogitam aqueles\as que sofrem a profunda angústia proveniente da falta do aconchego, da segurança saudável e do contorno de pai e mãe.
É como diz a frase: " Quando a pessoa se sente na iminência de sucumbir, até um cocô boiando serve para se agarrar..."
Só depois é que percebe o quanto sujou as mãos e lidou com o que não lhe fez bem...Mas desamparados\as ficam expostos a isso: a abusadores, às relações tóxicas e\ou com tóxicos.
Então, é preciso que pai e mãe resgatem urgentemente o poder parental, a responsabilidade de educar e amparar, mas, também de dar colo, dar contorno e dar segurança sem, entretanto, sufocar seus filhotes...
Deus permita, a busca e a meta é que nossas crias tenham liberdade para crescer e se diferenciar de nós adquirindo uma identidade própria e o direito de escreverem sua própria história, mas, com contorno e proteção em doses equilibradas para que se desenvolvam com amor, saúde, proteção divina, sabedoria, respeito pelo próximo e alegria de viver...!
E para tanto também é preciso que pais e mães restabeleçam a hierarquia na família; não rigidamente como era no patriarcado, mas, com equilíbrio e sensatez.
E só para lembrar, o Universo é hierárquico, a Mãe Natureza também é hierárquica!!!
A ordem está presente em todas as coisas do Céu e da Terra...
E somos parte da Natureza!!!
O medo que pais e mães tiveram de assumir o poder com relação aos seus filhos e filhas teve a ver com o medo de serem autoritários e com a dificuldade em assumirem o papel de adultos na relação com sua crias.
Esse medo precisa ser superado pela premência da necessidade urgente de voltarem
a educar, pois, "quem ama educa..."!
Ah, sim! E tem que amar muito para educar...!
Mas, isto é parte da escolha e da bem-aventurança de ter filhos\as!!!
Graças a Deus!
Valéria Giglio Ferreira
Mãe e psicóloga
CRP 06\39080-4
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*** Este texto pode ser reproduzido desde que se faça referência à autora e à fonte.
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Valéria Giglio Ferreira
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