PENSEI QUE MEU PAI FOSSE ETERNO, que ele estaria, sempre, on-line…
Que ele fosse estar sempre, ali, na casa que morou nos últimos trinta e tantos anos de sua vida, no mesmo endereço, abrindo o mesmo portão, com o mesmo sorriso e acolhimento: “- Vamos descer, entra um pouquinho, vem tomar um café, vem dar um abraço no seu pai!”.
Achava, embora ouvisse falar que com outros pais tinha sido diferente, que meu pai estaria sempre, ali, eternamente ao alcance dos poucos quilômetros que separavam a casa dele da minha… Sempre, ali, ao alcance do telefone de número tão antigo que meus dedos teclavam automaticamente, sempre, à minha disposição, como de resto fazia com todo mundo: meu pai estava, sempre, à disposição de quem dele precisasse, pronto para correr e socorrer o próximo.
Os pedintes da sua rua eram, além de pedintes, conhecidos seus: sabiam e chamavam-no pelo nome: “- Seu Victor tá aí?”, gritavam no portão. E lá ia ele dar o litro de leite reservado para cada um deles.
Dizíamos: “- Pai, para com isso, uma hora dessas você leva uma bordoada desses caras!”, ao que ele respondia: “Ah, coitado, tem família, um monte de filhos para criar...” e continuava a atender os mendigos, seus colegas.
Certa vez, um deles sumiu por tempo e no seu retorno, meu pai, conhecendo o pelo nome falou, “Ô fulano, cê tava sumido o que aconteceu?”, ao que o outro respondeu: “Ah, seu Victor, eu tava preso, só me soltaram agora!!!”...e foi embora com o litro de leite para as crianças...
Teoricamente, considerei a possibilidade de perder meu pai para um plano superior, mais elevado e livre das mesquinharias mundanas que tanto o chocavam, talvez um plano mais afinado com a sua sensibilidade e generosidade, mas, era tudo muito distante...
Eu vivia como se meu pai fosse estar ali, sempre, à minha disposição.
À disposição para um conselho de urgência; para fazer o resumo de um livro para mim, emitindo seu sábio parecer; para discussões filosóficas, para o caso de eu precisar de caronas inesperadas, ou para ele pegar as crianças na escola; emprestar um dinheirinho extra, com pagamento a perder de vista, nas horas de aperto e, até mesmo, para colocar água benta na eventualidade de haver pendengas conjugais.
Dar conselhos matrimoniais!!! Essa, sim, era sua missão preferida: adorava dar uma de Santo Antonio, conciliador dos casais.
Muito embora, nesses casos, sempre, ficasse, sutilmente, do lado dos homens, pois, dizia que “as mulheres se casam, porque amam, mas, também porque precisam de alguém em quem colocar a culpa daquilo que não sai do jeito que elas querem!”
Meu pai era divertido, de bem com a vida...
Uma das últimas coisas que me disse foi: “ Valéria, a vida é sempre boa....”
Um dia, descobri que a presença física do meu pai junto de mim não é eterna, mas, sua presença espiritual e nosso amor, sim, são eternos.
Uma das coisas que mais doeu foi lembrar das inúmeras vezes em que eu ligava o computador e, no canto direito da tela, vinha a notificação: “Victor Collin Ferreira está on-line”.
Naquele momento, aquilo também parecia eterno e no corre-corre do dia a dia, muitas vezes, não me dava conta de que eram oportunidades de estar com meu pai e que elas estavam passando. Isso ainda dói. Ele não está mais on-line. Nunca mais receberei essa notificação.
E... meu pai se foi… e como todo sábio, um dia se foi deixando em seu lugar sua luz...
Eu agradeço a Deus-Pai por ter tido um pai bom para comigo, um pai que me amou e que eu amo...
E hoje - somente agora - entendo, claramente, a importância de expressar esse amor... Mas, acho que também fui uma boa filha para ele...
* Dedico essas palavras a Victor Collin Ferreira, meu querido pai!
Valéria Giglio Ferreira
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Valéria Giglio Ferreira
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