A "SÍNDROME DE MULHER MARAVILHA"
Por Valéria Giglio Ferreira
Psicóloga - www.amar.psc.br
Penso que esta seja uma geração de mulheres que, quando meninas, assistiram demasiadamente ao seriado da super-heroína "Mulher Maravilha" e que isto tenha nos influenciado de maneira intensa e deletéria, criando e estimulando a busca de um modelo de mulher inatingível para as simples e terrenas humanas.
Lembro-me de que ela era um ícone de beleza e perfeição: pele clara bem tratada, olhos lindos, cinturinha fina, boca bem desenhada, quadril de violão.
Boa profissional, inteligente, sensível, sempre impecavelmente vestida, rápida nas respostas e com uma prontidão incrível para solucionar com justiça e graça, problemas nas mais diversas áreas da vida.
Creio que este modelo de "mulher perfeita" seja, atualmente, aquilo que a maioria de nós busca ser.
Até o dia em que sobrecarregadas de frustrações e cansaço - quando não, enfrentando sintomas de todos os tipos: físicos e psicológicos - nos vemos obrigadas a rever a viabilidade deste projeto prá lá de desumano.
É estonteante o número de pessoas do sexo feminino que caem nessa armadilha invisível que chamamos de "Síndrome de Mulher Maravilha".
Ao ter seu pezinho preso nesta rede de metas e expectativas impossíveis, a mulher vai se esquecendo que na vida real efeitos especiais não ocorrem e que atingir uma performance como a da personagem exigiria de nós os poderes extra e sobre humanos que Diane Prince - a "Super Mulher" - tem e que nós não temos.
Então, a cilada que nos pega é: não temos os superpoderes que ela tem - força física sobre-humana, braceletes anti rajadas, tiara de proteção, laço mágico indestrutível, etc - e temos tarefas domésticas, conjugais e familiares que ela não tem.
A conta não fica justa. É uma equação inviável.
No teste de realidade da aplicação do modelo-de-mulher-maravilha
Lembrando-nos ainda que trata-se de um modelo e de uma síndrome que nasce do fascínio norte-americano por tudo o que é artificial e tolinho e da vulnerabilidade mundial em copiá-los nestes valores doentios.
Resta- nos entender por que demos gancho, por que entramos neste caminho doentio, exaustivo, machucante?
Será que foi porque em algum momento achamos que só poderíamos ser amadas se fôssemos SUPER: super mães, super esposas, super profissionais, super poderosas, super atraentes, super interessantes, super sedutoras...?
Será que foi para darmos encaixe e estarmos a altura dos - também ilusórios - super-homens? Para criarmos o super casal com suas super crianças, educando seus super filhos/as e fazendo parte da nova geração de "supers"?
Talvez, ambos - homens e mulheres - tenhamos caído na mesma armadilha que nos dizia que sermos simplesmente humanos não nos bastava.
Brincamos de ser Deus e a vida tem nos mostrado quem é quem: que só Deus é Deus e só Ele tudo pode.
Que super-heróis não existem...
Creio que movidos por ideologias de massa, ideologias consumistas que o tempo todo apregoam que o prazer está na novidade e no fantástico, tenhamos chegado a acreditar que só poderíamos ser amados, admirados, não abandonados e não rejeitados se fôssemos muito além daquilo que com equilíbrio conseguimos ser.
Que, do contrário, não seríamos bons/boas o bastante para obtermos o prêmio do bem-querer.
Esta é a armadilha: queremos ser amados/as e fizeram-nos acreditar que isto só nos seria dado se fôssemos "super" em alguma coisa ou de preferência...em tudo!
Deste modo, penso que embarcamos na fantasia coletiva de sermos super-heróis e super-heroínas e tentamos criar coletivamente um "Super Eu Artificial": os Super indivíduos, um duplo, um "Outro Eu" que nos viabilizasse alguma suposta garantia de amor, aquietando nosso coração e dando-nos esperança de acolhimento, respeito e felicidade.
Ah, e este Super Eu não pode ter tristezas nem fragilidades que são coisas tão humanas...pois, neste mundo da felicidade artificial, ter fragilidades ficou restrito à categoria dos que não são super!
Apregoam-nos que devemos querer o sucesso, o brilho e o palco como se este fosse o único bilhete para o mundo dos sujeitos felizes e realizados. Sim, mas, muitas vezes, uma felicidade de cristal, que não suportaria as pressões da vida real.
Iludiram-nos com tudo isto...
E sedentos\as de amor renunciamos à nossa humanidade e passamos a buscar o lugar do herói e da heroína.
Dai, a enorme quantidade de antidepressivos e ansiolíticos ingeridos por aqueles/as que não conseguem por si mesmos alcançar estas des-naturadas metas e a enorme quantidade de todas as outras drogas utilizadas atualmente para dar sustentação a este falso Eu, a este Super Eu artificial sobrevivente às custas de miríades de ilusões plantadas todos os dias nas mídias.
Embora tenha custado a vida de muita gente, o lado bom desta fase maníaca coletiva é que pouco a pouco fomos testando nossos limites e tomando consciência que não existem heróis vivos.
Sair desta destrutiva ciranda movida pela baixa consciência do próprio valor, pela baixa consciência de que existir já é o grande acontecimento, o grande milagre, requer que a coragem de colocar em risco e em teste de realidade as relações e vínculos baseados em Superexpectativas.
Requer abrir mão de relações interpessoais baseadas em expectativas desumanas e retornar ao que é simples e cabível no dia a dia de cada um.
Requer coragem e o consciencioso trabalho de reconstrução da autoconfiança, da autoimagem e da confiança no fluxo da vida que em algum momento foram danificados e feridos.
Assim sendo, creio que cabe-nos tão somente a humilde renúncia às nossas ilusões como seres superiores ("supers") e uma volta à nossa condição terrena de humanos/as, com dificuldades e potencialidades.
Jamais super-heróis ou super-heroínas seja lá do que for: do lar, da família da profissão ou da sociedade.
Lembrando-nos de que "humildade" é um preceito bíblico e que a palavra vem do latim húmus, de onde também derivam humilde, humanidade, homem (Homo sapiens) e que faz referência à eterna ligação e submissão do ser humano à terra, à natureza e suas regras inexoráveis.
Assim, depois de tanto sofrimento e desencanto tentando ser Super Humanos, vamos aprendendo que somente o retorno ao que é humilde, natural, terreno, possível e equilibrado nos permitirá o reencontro com o que é curativo, fértil, criativo, bem como, com o resgate da própria força da vida e da verdadeira alegria de viver.
Esta renúncia é também um ato de fé...
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Modo de citação sugerido:
Ferreira, Valéria Giglio - Blog AMAR- EDUCAÇÃO CONJUGAL E FAMILIAR
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Valéria Giglio Ferreira
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