Precisamos aprender a AMAR.
Não um amor de qualquer jeito, um amor consciente ou inconscientemente doentio.
Precisamos aprender a AMAR e a construir "relacionamentos sustentáveis", que respeitem o desenvolvimento individual, conjugal, familiar, coletivo e planetário; o micro e o macro-cosmos.
O amor é "apenas" o potencial, o pré-requisito das relações amorosas, mas, ele precisa ser trabalhado, treinado e direcionado para se manifestar saudavelmente.
Do contrário, se manifesta como pedra bruta, amor rústico, primitivo, cheio de apegos e possessividades destrutivas. Cheio de violências, falta de fronteiras, invasões e até mesmo, porque não dizer, em alguns casos, cheio de vampirismos sobre o objeto amado.
Muitas pessoas adultas amam como quem reedita o sugar do leite materno: absorvendo a energia vital do objeto amado, transferindo esta energia do outro para si e "esvaziando" o outro.
Ao bebê cabe este papel de sugador e tudo está em harmonia e de acordo com a relação mãe-criança. Mas, quando um adulto se põe a sugar a vitalidade e a disponibilidade do outro ou de um sistema, temos aí um amor doentio.
Quando adultos edificam o tipo de amor voraz, este amor, em geral, faz repetir lá de trás, a sua relação mãe-bebê naquilo que ficou de excesso ou vazio dessa relação.
Este sugar o outro é uma das coisas que mais assusta o ser humano no que diz respeito ao mergulho na "piscina da intimidade".
A intimidade é assustadora para muita gente, e não, sem motivo.
Este medo da intimidade se dá devido aos várias receios e assombramentos que insurgem diante da possibilidade da "entrega".
Um deles é o receio abandono, do julgamento, da rejeição, de tudo aquilo que possa expor a alma humana.
O outro é o receio no sentido de uma das pessoas ter sua personalidade engolfada pelo outro, de um dos dois ter a sua personalidade descaracterizada pelo outro naquilo que ela tem de singular, em sua subjetividade, em suas particularidades e nuances de ser único.
Deixar-se descaracterizar pelo outro ou descaracterizar o outro na essência de sua personalidade pode ser considerado o limite extremo da disfunção relacional, seja nos relacionamentos a dois, familiares ou sociais.
Nas relações conjugais, por exemplo, ocorre algo que chamamos de "tendência à homogeneização no casamento".
Essa é uma tendência - e uma dinâmica - própria das relações conjugais, através da qual ocorre uma pressão para que os cônjuges se tornem iguais um ao outro e, portanto, homogêneos entre si.
O problema está em que este igual, muitas vezes, pressupõe igual ao mais impositivo da relação, aquele/a que consegue dominar o relacionamento e o outro, modelando-o ao seu jeito e para preencher fundamentalmente suas necessidades e expectativas pessoais.
Tudo isto consciente, semi-consciente ou inconscientemente empreendido.
O mais curioso desta situação de despersonalização de parceiros/as é que ao conseguir descaracterizar o outro, a própria pessoa que o fez costumar se desinteressar pela parceria, alegando que ele/ela se tornou uma pessoa "sem graça". De fato!
Mas, via de regra, são encaixes: um aprendeu que precisa ceder sempre e o outro aprendeu que precisa dominar sempre. Disto vai surgindo um abismo relacional.
Permitir a descaracterização da essência da personalidade não costuma sair barato para os indivíduos humanos.
Muitos sintomas e distúrbios costumam surgir desta disfunção. É algo sério para ser pensando, ponderado e evitado. Não é bom para ninguém permitir estes desequilíbrios. Em algum momento a vida apresenta a sua conta.
Muitos/as justificam este domínio ao outro com a distorção da premissa darwiniana, dizendo que: "o mundo é dos mais fortes".
Gosto do princípio aristotélico de que sempre buscamos a felicidade.
Mesmo quando erramos.
Assim, é preciso lembrar que dominar os outros é possível, mas, não leva à felicidade.
Muitas pessoas cedem ao domínio do outro para repetir relações disfuncionais da primeira infância, com pai e/ou mãe autoritários e dominadores.
Mas, cedem também pela equivocada fantasia de que evitar conflitos gera a paz.
Alguém já disse: "se queres a paz, prepara-te para a guerra".
A paz que vem da submissão perigosa de uma das partes do sistema não é e nunca será paz. É apenas uma falsa paz, que a qualquer momento revelará sua dor e seu preço.
A verdadeira paz vem de relações justas, respeitosas e equilibradas. E isto tem o custo de enfrentarmos os conflitos relacionais e negociá-mo-los, contemplando as necessidades de todos os lados envolvidos na questão.
Trazemos do romantismo a ilusória idéia de que "se há amor tudo dará certo"; que só o amor basta para que os vínculos floresçam e perdurem no famoso chavão "...e foram felizes para sempre...".
Em nome deste tipo de amor infantilizado, pais e mães castram seus filhos/as; religiões empreendem litígios por séculos e séculos, fazendo vista grossa ao príncípio bíblico de "amar Deus sob todas as formas".
Em nome deste tipo de amor imaturo, muitos casais se casam e em seguida se separam, pois, não sabem o que fazer com o seu grande amor quando surgem os conflitos.
As relações amorosas precisam ser conscientizadas, preparadas, treinadas e amadurecidas.
O amor é como um rio que pouco a-pouco vai construindo seu leito. Quando bloqueado - assim como o rio - o amor pode ir para onde não deve tornando-se nocivo.
Ao ser bloqueado em seu fluxo, em seu leito natural, tanto o rio quanto o amor podem ter seu potencial gerador de vida desvirtuados, tornando-se, eventualmente, destrutivos.
Esse bloqueio ao fluxo do amor costuma advir de relacionamentos amorosos rompidos inadvertidamente, intra e/ou extra familiares.
Este contexto de tentar evitar os bloqueios ao fluxo do amor - pelo menos os bloqueios desnecessários e evitáveis - implica na construção de "relacionamentos sustentáveis" que respeitem o "impacto ambiental" de constituir e/ou de destruir um vínculo amoroso.
Avaliar o "impacto ambiental" de um relacionamento não é mantê-lo por causa das aparências, da segurança e do patrimônio, com o ônus de ensinar aos filhos/as a paz-armada dentro de casa e o desamor no lar; nem tão pouco, deixar de fazer um vínculo desejável, só por essas mesmas causas.
Por "avaliar o impacto ambiental de montar ou desmontar um relacionamento", refíro-me aqui ao fato de que as pessoas comecem a fazer escolhas de parceria mais conscientes e que levem em conta a relação custo-benefício de cada escolha, de cada envolvimento amoroso, de cada intercurso sexual, responsabilizando-se por arcar com estes custos, cientes de que eles fazem parte daquela escolha sua, bem como, fazem jus - ou não - ao bônus que ela lhe traz.
O que não é sustentável, e portanto, a meu ver tende a ser superado, é o comportamento inconsequente tanto no sexo, quanto no amor.
Esse tipo de comportamento não é sustentável nem física, nem emocional e nem economicamente.
Maximizando, diria que se cada um dos 6,5 bilhões de habitantes planetários resolver ter vários/as filhos/as com várias/os parceiras/os diferentes, pagando pensão a cada uma destas crianças de diferentes pais e mães, duplicando ou triplicando suas contas de água, luz e telefone para fazer frente ao sustento responsável de cada uma destas crianças em suas diversas moradias, até que ponto, a médio prazo não teremos uma sociedade falida?!
A idéia de casar é também a idéia de juntar forças, de aumentar a energia para enfrentar a vida, fazendo "shazan" e diminuindo o desgaste deste enfrentamento em prol da sobrevivência.
Casamentos e descasamentos sequenciais tem um alto custo - psicológico, emocional e econômico e precisam ser repensados. Até quando serão sustentáveis? Arcar com a conta de um matrimônio desfeito é uma coisa; de três, quatro, cinco é outra coisa.
Qual o preço disto para a própria pessoa e para os filhos/as de cada uma destas relações?
Ficarão essas crianças mergulhadas no profundo sentimento de desamparo, de abandono doméstico? Ficarão elas com a sensação de serem sobreviventes, à duras penas, das relações ficantes de seus pais e mães e com seus pais e mães?
O amor e a atração física são energias poderosas, precisamos saber o que fazer com elas usando-as conscientemente. Não estamos mais no tempo das cavernas sujeitos à ignorância das consequências de nossas escolhas amorosas e sexuais.
Portanto, "relações sustentáveis pressupõem que se tenha uma "Ética do Amor e do Sexo".
Evoluimos, e hoje, AMAR - seja o/a cônjuge, sejam os/as filhos/as - tornou-se uma tarefa mais complexa do que somente galantear, prosear, copular, parir e sustentar.
Precisamos "aprende a AMAR".
Assim , aprender a AMAR implica, ainda, num processo interior de buscar o encontro de nosso outro interno, dos nossos aspectos reprimidos e que costumam super-atuar em nossos relacionamentos interpessoais, por meio, principalmente do mecanismo da projeção: acusamos e vemos no outro aquilo que reprimimos e escondemos em nós.
"Relacionamentos sustentáveis" implicam, então, em "recolhermos estas projeções para dentro de nós e trabalharmos conscientemente com elas". Pararmos de atacar nos outros aquilo que negamos e rejeitamos em nós mesmos.
Isto evitaria, e muito, conflitos e guerras projetivas, por meio das quais, uns projetam nos outros seus aspectos psicologicamente sombrios.
Este encontro com o outro interior, com o amante ou a amante interior promove o chamado "casamento sagrado" (hieros gamus)", o casamento místico, alquímico.
O pressuposto é o de que quanto mais harmonioso estiver este casal interno - razão e sentimento - mais harmonioso estará o casal externo.
Dentro disto, lembrê-mo-nos de que em nosso cérebro, há uma região chamada tálamo, a qual se localiza na região do encontro de nossos dois hemisférios - direito e esquerdo.
Tálamo, numa tradução livre do grego que dizer "leito nupcial".
Assim, aprender a AMAR e a construir "relacionamentos sustentáveis" talvez, requeira de nós, aprendermos a buscar este encontro de nossos opostos complementares - razão e emoção - casando-os.
Mas mais do que isto, talvez, requeira nos colocarmos numa incessante busca dois lados de tudo na existência humana: direito e esquerdo, masculino e feminino, razão e emoção, ricos e pobres, corpo e mente, natureza e tecnologia, consciente e inconsciente, celeste e mundano...
Creio que somente após o encontro conscientemente trabalhado de nossos dois lados é que poderemos individualmente e como humanidade construirmos "relacionamentos sustentáveis".
Assim, do respeito e da harmonização de nossos diversos aspectos internos surgirá o respeito pelo próximo em sua diversidade, pois, "assim está fora, como está dentro".
"Relacionamentos sustentáveis" são respeitosos, responsáveis, assertivos; são não-violentos, não-invasivos, não-exploradores. Suas trocas se dão de maneira justa e equilibrada.
São relacionamentos, nos quais, por meio do enfrentamento, da negociação e da harmonização dos conflitos, a vida e o desenvolvimento de cada membro do sistema e também do todo são preservados.
Creio que somente neste tipo de relacionamento seremos capazes de vivenciar a bem-aventurança da união e integração de todas as partes, manifestada como saúde plena, amor e paz; bem como, vivenciar a colheita dos saborosos frutos daí provenientes.
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Modo de citação sugerido:
Ferreira, Valéria Giglio - Blog AMAR- EDUCAÇÃO CONJUGAL E FAMILIAR
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Grata.
Valéria Giglio Ferreira
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